Elsa Ribeiro Gonçalves e o seu livro. Foto: mediotejo.net

A jornalista Elsa Ribeiro Gonçalves esteve na Livraria / Papelaria Nova esta sexta-feira, dia 22, para apresentar o livro com que se estreou na ficção depois de anos a escrever sobre a realidade. “Singularidades de uma mulher de 40” centra-se nas questões de Helena sobre o rumo da sua vida e a decisão de tirar os sonhos da gaveta. Pode parecer coisa lamechas e com frases feitas, mas não. Falámos com a autora sobre a obra literária em cujas páginas pode estar mesmo a fórmula da felicidade (e, na verdade, é simples).

“Singularidades de uma mulher de 40” não é um livro. É um desafio. Não porque seja de difícil leitura, mas porque faz o leitor questionar o que anda a fazer neste mundo através dos monólogos mentais de Helena, uma “quarentona” que divide os dias entre o full-time num talho de hipermercado e o full-time da família. Tempo para ela não existe e os sonhos vão ficando no fundo da gaveta até ao dia em que percebe que realizá-los só depende de si.

Elsa Ribeiro Gonçalves durante a apresentação do livro. Foto: mediotejo.net

Se, à partida, a decisão parece que irá agradar quem a rodeia, afinal o comodismo colado à pele dos que se habituaram a viver no marasmo da chamada “estabilidade” – contas pagas ao final do mês e fotos de família (aparentemente) feliz –, faz temer o desconhecido que a ousadia de Helena em querer realizar sonhos pode trazer. Parece irónico, mas é “preciso ter coragem para ser feliz neste sistema em que vivemos”, diz Elsa Ribeiro Gonçalves.

A autora apresentou o seu livro de estreia editado com a chancela da Origami, pertencente à Médio Tejo Edições, esta sexta-feira na Livraria / Papelaria Nova, em Tomar. O público do lançamento, no passado dia 26 de maio, foi o da Feira do Livro de Lisboa e nesta segunda apresentação pública esteve o da terra natal. À sua frente encontrou uma plateia cheia e ao lado João Patrício, que sublinhou a “lição humana” da obra literária que se “lê de um fôlego”.

João Patrício e Elsa Ribeiro Gonçalves. Foto: mediotejo.net

A forma apaixonada com que Elsa Ribeiro Gonçalves vê e enfrenta a vida também foi destacada pelo professor pouco depois de Paula Val, representante da Médio Tejo Edições, ter partilhado a mensagem de Patrícia Fonseca. A responsável editorial esteve ausente por motivos de saúde, mas não quis deixar de marcar presença, reconhecendo o talento da escritora movida pela vontade de “conseguir tocar alguma pessoa com as palavras que escreveu”.

Intenção confirmada na conversa que tivemos no final da apresentação em que foram lidos diversos excertos, incluindo o poema “Receita para uma vida roubada” (que termina o livro) pela sua autora, Graça Costa. Para Elsa Ribeiro Gonçalves, o mais importante não é “vender muitos livros, mas se mudar uma vida já valeu a pena”. Uma marca, ténue ou não, ficou em todos os presentes, na maioria habituados a vê-la no lado oposto das objetivas dos jornalistas.

A poetisa Graça Costa foi uma das pessoas que leu excertos do livro. Foto: mediotejo.net

Passou boa parte da vida, que já ultrapassou as quatro décadas, a escrever sobre a realidade e o facto que inspirou a ficção também foi real, mas não ficou registado em áudio ou vídeo, nem quando tinha a máquina fotográfica na mão. Tinha, sim, a senha do talho de um hipermercado e foi então que se deu o primeiro encontro com “Helena”, a mulher de 40 com muitas “singularidades”.

O olhar triste de quem a atendeu trouxe ao de cima algumas questões suas, contudo, garante-nos que o livro “não se trata de uma autobiografia”, apesar de ter um pouco de si. A vontade de escrever ficção vinha de trás e o momento confirmou que tinha atingido o “tempo e amadurecimento” necessários “para o conseguirmos fazer”. O primeiro episódio foi escrito dentro do carro, ainda no parque de estacionamento do hipermercado, e os seguintes surgiram em catadupa.

Os lugares disponíveis revelaram-se poucos para o público. Foto: mediotejo.net

“Vieram como prendas”, acrescenta, que aceitou e decidiu oferecer aos leitores na esperança de partilhar a sua descoberta de que a felicidade não passa por mudar os outros, mas nós próprios, e os sonhos só se realizam quando se acredita que isso pode acontecer. Um processo que, muitas vezes, implica ir contra o que se ouviu em casa desde tenra idade e a eterna questão de que a prioridade são as contas para pagar.

Segundo a autora, “os sonhos pagam contas porque quando sonhamos e os realizamos somos mais felizes e conseguimos atrair mais abundância, mais prosperidade para a nossa vida”. A certeza surgiu-lhe depois da viragem para os “entas” e “Singularidades de uma mulher de 40” quase transforma em anjo o demónio da entrada nessa nova etapa ao associar-lhes o timing para deixar de sonhar acordado e viver os sonhos.

Elsa Ribeiro Gonçalves durante a sessão de autógrafos. Foto: mediotejo.net

A confirmação de que o objetivo foi cumprido será dada pelo “espelho” se, aos 80, devolver a imagem de alguém feliz. Sobretudo pelo olhar, diz Elsa Ribeiro Gonçalves, e, acrescentamos nós, também pelas rugas de expressão ganhas ao longo da vida que, de acordo com algumas teorias, marcarão o nosso rosto na velhice. Em suma, no duplicar dos 40, quer-se um olhar brilhante e marcas nos cantos dos lábios associadas ao sorriso.

E quem tem menos de 40? Espera até essa idade para conseguir o seu momento de revelação? Elsa Ribeiro Gonçalves responde que não, sublinhando que, por norma, é aos 40 que nos deparamos com a tal estabilidade falaciosa que não passa de uma estagnação disfarçada. A personagem principal, diz, “chegou a esse ponto. Tinha tudo, mas já não tinha nada porque já sabia os dias de cor. Estava numa zona de conforto muito desconfortável”.

Os abraços marcaram a apresentação. Foto: mediotejo.net

Helena escolheu assumir “o direito de querer mais, porque nascemos para ser felizes” e, apesar de ser incontornável a associação do livro à condição feminina, a verdade é que “Singularidades de uma mulher de 40” não se dirige apenas às “Helenas” do mundo, mas também aos “Helenos”. Tem implícita uma mensagem “para homens e mulheres” pois coloca questões que também surgem na cabeça, no masculino, daqueles que “têm que arrumar os sonhos pois são chefes de família”.

A mesma mensagem que levou a jornalista a sair da sua “zona de conforto” e a tornou tema de notícia. Estar do outro lado é encarado como “uma experiência nova que estou a viver em pleno” e ajudou-a a conhecer melhor “as pessoas que entrevisto e com quem falo”. O desconforto inicial, acrescenta, acaba por ser suplantado pela missão de partilhar a “fórmula” da felicidade que, afinal, não é secreta e pode muito bem estar nas páginas do seu novo livro.

Nasceu em Vila Nova da Barquinha, fez os primeiros trabalhos jornalísticos antes de poder votar e nunca perdeu o gosto de escrever sobre a atualidade. Regressou ao Médio Tejo após uma década de vida em Lisboa. Gosta de ler, de conversas estimulantes (daquelas que duram noite dentro), de saborear paisagens e silêncios e do sorriso da filha quando acorda. Não gosta de palavras ocas, saltos altos e atestados de burrice.

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