O enfermeiro João Damásio, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses. Créditos: DR

No Dia Internacional do Enfermeiro as homenagens a estes profissionais de saúde multiplicam-se. Desde o Papa Francisco que veio agradecer pelo serviço prestado à Humanidade no contexto da pandemia da covid-19 e falou de “um profissionalismo que não se reduz ao conhecimento científico e técnico” e que inclui uma “relação humana” com o doente nas situações “mais traumáticas”, a uma agendada Serenata de Coimbra assinalando a efeméride em vários hospitais do País. Mas ainda que agradecidos por este reconhecido olhar da sociedade aos profissionais de saúde que combatem a pandemia na linha da frente, os enfermeiros defendem um reconhecimento que vá além dos aplausos, uma validação da condição de “profissionais altamente qualificados” e que implique “melhores condições de trabalho”.

Para João Damásio, enfermeiro no Centro Hospitalar do Médio Tejo e dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, ser enfermeiro “é estar em relação com o outro, 24 sobre 24 horas, sete dias por semana, todos os dias do ano”. Lembra que os enfermeiros “são profissionais que integram uma equipa multidisciplinar onde se encontram médicos, assistentes operacionais, pessoal técnico que dá apoio. Em Saúde só se conseguem resultados trabalhando em equipa de uma forma complementar e acima de tudo dignificante para todas as profissões”.

Sublinha que os enfermeiros são profissionais “altamente qualificados, com competências técnicas e culturais mas sobretudo relacionais. É no cuidar do outro que estamos sempre a valorizar e damos o maior cuidado à pessoa”.

Diz que o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses manifesta “empenho” no assinalar deste Dia Internacional do Enfermeiro, que em 2020 assinala também, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o ano Ano Internacional do Enfermeiro, marcando 200 anos do nascimento de Florence Nightingale, considerada a fundadora da enfermagem moderna.

Em cenário de pandemia, João Damásio confirma que os enfermeiros agradecem “todos estes gestos e homenagens não só no Médio Tejo, mas também a nível nacional e internacional”. Recorda que “têm sido muitas as ações que dignificam de alguma forma os profissionais de Saúde, mas não é com Serenatas que nós lá vamos!”, afirma.

E “ir lá” passa pelo reconhecimento quer do Ministério da Saúde quer da sociedade em geral “sem preconceito” porque “os enfermeiros são técnicos que passam uma vida inteira a dedicar-se ao outro. Passam muitas noites e dias em formação, sempre com o objetivo de melhorar, na excelência dos cuidados, que não se traduz, na prática, nas condições de trabalho” que vão além das reivindicações salariais.

O enfermeiro João Damásio, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses. Créditos: DR

Admitindo que as condições monetárias são importantes, sublinha que não bastam. “Fala-se que os enfermeiros têm duplo emprego” mas sem “duplo emprego muitos cidadãos ficavam sem cuidados de saúde”, nota. E aborda a problemática da emigração de enfermeiros, essencialmente jovens, uma vez que em Portugal “não são valorizados. Em Inglaterra qualquer enfermeiro ao fim de dois, três anos tem reconhecimento do acréscimo de competências, das formações que adquiriu e do seu desempenho”.

No entanto, em Portugal “a avaliação de desempenho pressupõe que apenas 25% dos enfermeiros sejam relevantes, ou seja, que sejam bons” explica João Damásio. “Falamos de 75% dos enfermeiros, na avaliação que é obrigatória e condicionada pelo Ministério da Saúde e pela lei em vigor”.

Por isso defende uma valorização global que levasse “todos os enfermeiros a desempenhar um papel de excelência”. Isto resulta que “o enfermeiro relevante sobe mais rapidamente em termos de carreira. O enfermeiro suficiente ou adequado não progride na carreira porque não tem condições”.

Assim considera a avaliação de desempenho dos enfermeiros em Portugal “castradora, relativamente às quotas de 25%. Cria uma injustiça tremenda porque as pessoas empenham-se mas não têm o reconhecimento por parte do Ministério da Saúde” que tem de ir além da “espuma dos dias”.

O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses considera “um paradoxo” que em todas as Assembleias Mundiais da OMS, os países membros subscrevam as orientações daquela Organização, nomeadamente, os “Objetivos para o Milénio” e os “Objetivos para um Desenvolvimento Sustentável” onde se inclui a Cobertura Universal, mas continuem a ter uma política de recursos humanos que coloca dificuldades em atingir o que subscrevem. Em Portugal, não é diferente.

O sindicalista indica que o nosso País “tem das taxas mais baixas de enfermeiros por cada mil habitantes” e fala na Alemanha para exemplificar. “Um dos casos com melhores cuidados no âmbito da covid-19, até com transferência de doentes para unidades da Alemanha porque tem um sistema de Saúde com bons os resultados e isso se calhar deve-se também ao rácio do número de enfermeiros por cada mil habitantes. A Alemanha tem o dobro de Portugal, muitos deles portugueses”.

Como propostas, o Sindicato defende “a revisão do início de carreira e que seja valorizado o papel do enfermeiro enquanto profissional na equipa multidisciplinar”. Reivindicações que Ministério da Saúde assegura ter atendido, nomeadamente quanto ao enfermeiro especialista, mas sem tradução prática, vinca. “O enfermeiro especialista é uma falácia. Têm uma especialização mas ao nível da administração pública, os enfermeiros, são os profissionais mais mal pagos com um nível de licenciatura e mestrado”.

A juntar às dificuldades, uma profissão de grande exigência também a nível pessoal e até familiar. João Damásio refere ter perdido a conta às vezes que tem de sair de casamentos, de convívios de amigos e outras situações sociais para trabalhar por turnos, tal como outros enfermeiros que trabalham noutros setores nomeadamente “nos Cuidados de Saúde Primários, visitas domiciliárias… só nós sabemos como encontramos as pessoas… somos humanos e como tal sentimos, vemos a angústia mas não podemos ajudar mais porque não nos dão condições para isso e também ultrapassa as nossas competências”.

Na atual situação pandémica da covid-19 e a pressão sobre os sistemas de saúde, designadamente sobre os Serviços Nacionais de Saúde (SNS), as suas potencialidades e as suas fragilidades, em contraste com o agradecimento popular aos seus profissionais, onde inclui também os assistentes operacionais, João Damásio confessa ter a expetativa dessa valorização não só do Ministério da Saúde mas também do Ministério das Finanças. “Havendo o reconhecimento social então que venha a nível oficial” diz.

Recorda a greve cirúrgica quando recentemente os enfermeiros “quase que foram apelidados de ‘assassinos’. Mas as pessoas podem ter a certeza que quem não abandona o barco é sempre o enfermeiro. Quando alguém precisa o enfermeiro está lá!”

Neste combate dos enfermeiros contra a covid-19, João Damásio relata um número suficiente de Equipamentos de Proteção Individual. E deixa um alerta em relação ao uso de viseiras que garante não substituírem as máscaras e que apenas devem ser usadas como complemento da máscara. Aconselha, por isso, o uso de máscara por todos os profissionais que contactam diretamente com o público.

Para assinalar o Dia Internacional do Enfermeiro foi agendada uma Serenata de Coimbra a decorrer em vários hospitais do País.

O enfermeiro João Damásio, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses. Créditos: DR

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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1 Comentário

  1. Bom dia
    So falta referir que ha enfermeiros neste centro hospitalar e em todos pais que trabalham a 20 anos e recebem o mesmo do que os que entaram recentemente na profissão

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