Com a chuva continuada dos últimos dias, ao atravessarmos o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros na Autoestrada do Norte, podemos observar a gradual inundação da extensa depressão entre as povoações de Minde e Mira de Aire, situação que me levou a revisitar texto que produzi há tempos atrás e que me pareceu adaptar-se ao objetivos destas crónicas que partilho neste espaço digital de informação.
O fenómeno geomorfológico, de rara ocorrência, que observamos entre Mira de Aire e Minde designa-se por “polje”, palavra de origem eslovena e representa uma enorme depressão calcária com acumulação de água à superfície sempre que os níveis de água subterrânea estão completamente preenchidos, o que, no caso, só acontece em anos bem chuvosos.
Episódios, como este, de inundação, com grandes flutuações do nível freático, são raros na região biogeográfica Mediterrânica Ocidental, o que aumenta a importância relativa deste capricho da natureza do Maciço Calcário Estremenho.
Este sistema do “polje Mira-Minde está por isso associado a redes de circulação subterrânea ligadas a algumas nascentes bem conhecidas da região como do Almonda, do Alviela e Vila Moreira e que formam um sistema cársico singular.
A nascente do Alviela é uma das mais profundas do mundo e está localmente associada a um complexo de grutas que representa o fenómeno fluviocársico mais significativo de Portugal e a nascente do Almonda está relacionada com a gruta portuguesa de maior extensão, um importante cenário do paleolítico.
Este importante complexo natural foi objecto de classificação internacional em 2006 no âmbito da Convenção sobre Zonas Húmidas, a qual constitui um tratado inter-governamental adoptado em 2 de Fevereiro de 1971 na cidade iraniana de Ramsar, razão pela qual é geralmente conhecida como “Convenção de Ramsar”, e representa o primeiro dos tratados globais sobre conservação da natureza.
Segundo o texto aprovado pela Convenção, zonas húmidas, são definidas como “zonas de pântano, charco, turfeira ou água, natural ou artificial, permanente ou temporária, com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo águas marinhas cuja profundidade na maré baixa não exceda os seis metros”, e o dia 2 de Fevereiro foi, por essa razão, instituído como Dia Mundial das Zonas Húmidas.
Estamos, neste caso, perante um valioso património Mundial que é o Polje Mira-Minde, mas que infelizmente continua esquecido e vulnerável face às enormes ameaças a que tem estado sujeito como a poluição da água, desenvolvimento urbano e industrial e aumento desregrado da utilização turistica.
Na oportunidade da passagem recente de mais um Dia Mundial da Zonas Húmidas, e num ano em que pelas condições meteorológicas o impacte paisagístico do “polje” nos possa deslumbrar de novo, irradiando a excecionalidade da sua beleza, é o tempo certo para um alerta.
É importante lembrar que está ainda quase tudo por fazer no que respeita à sua conservação e divulgação.
Não basta termos Património Classificado, é também necessário proceder à sua valorização e à sua eficaz gestão, de modo a respeitarmos a sua importância e honrarmos as comunidades que o integram e o assumem como símbolo de identidade!
Não remendem a história conhecida por favor! Os espeleólogos fazem o que sabem e podem fazer. A ciência pode ter sentido construtivo e portanto positivo, ou sentido negativo e portanto destrutivo. Destruir o eco-sistema é crime. Minde/Mira não merecia …Ver mais
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