“Um paraíso para os arqueólogos”, assim é classificada a Gruta da Avecasta Foto: José Gaio

A arqueóloga Paula Queirós não tem dúvidas de que a Gruta da Avecasta, em Ferreira do Zêzere, é “um dos sítios arqueológicos mais importantes do país e até a nível europeu”. Uma opinião corroborada pelo seu colega José Mateus para quem a gruta “é um mundo por explorar”.

Estamos a falar de uma “gruta salão” situada na freguesia de Areias que começou a ser alvo de escavações arqueológicos no início dos anos 80 e que tem revelado ser “o paraíso dos arqueólogos”, tal a riqueza e diversidade de materiais encontrados.

Os arqueólogos José Mateus e Paula Queirós, acompanhados pelo vereador Hélio Antunes, deram a conhecer no final de julho ao mediotejo.net, o balanço da campanha de escavações do ano mostrando os materiais e artefactos encontrados durante os trabalhos.

A Gruta da Avecasta “é um gigantesco vazio ovoide (talvez originalmente uma bolsa de sal) que foi colmatado por dezenas de metros de cascalheiras e argilas”, explicam os arqueólogos responsáveis.

Rui Palhinha, José Mateus, Hélio Antunes e Paula Queirós (Foto: José Gaio)

Hoje em dia a gruta está reduzida a cerca de 40 metros de diâmetro, espaço ao qual se acede através de uma rampa.

“As argilas (as terras rossas) libertadas pela desmatação dos homens foram entrando e selando um povoado cavernícola que remonta ao Neolítico final, se estende até à Idade do Bronze, e que após mil anos de abandono se vê reocupado na Idade do Ferro e Época Romana”, lê-se no site da equipa responsável.

Gruta da Avecasta – Milhares de anos de história

O que mais fascina os arqueólogos é o excecional grau de preservação, o que obriga a uma escavação lenta e minuciosa.

Isto apesar de, ao longo das últimas décadas, o local ter sido alvo de atos de vandalismo e ter andado um buldózer dentro da gruta a remover terras, primeiro para criar uma rampa de acesso à gruta e abrir outro acesso a uma pequena cavidade anexa. A máquina regressou ao local para tapar este último acesso porque havia atos de vandalismo (partiam as estalactites para levar para casa como recordação).

Os vestígios arqueológicos revelam que a Gruta de Avecasta e colina envolvente foram ocupadas desde o Paleolítico até ao período tardo-romano.

A gruta tem cerca de 40 metros de diâmetro (Foto: José Gaio)

A sua classificação pela Direção-Geral do Património Cultural como Sítio de Interesse Público em 2012 teve por base o facto de “constituir um povoado com uma excecional diacronia ocupacional, com níveis preservados desde o Neolítico e quase sem hiatos até ao período medieval”.

José Mateus e Paula Queirós vieram para a região de Tomar e Ferreira do Zêzere em 1979 guiados pelo grupo de espeleologia de Tomar com o objetivo de explorar as várias grutas existentes na bacia do rio Nabão e também na Avecasta.

Nessa época considerada histórica para a arqueologia nacional, pretendia-se refazer o Museu Nacional de Arqueologia e criar uma espécie de British Museum. E na nossa região, os trabalhos arqueológicos dessa fase foram cruciais para a criação da área no Instituto Politécnico de Tomar.

Logo nas primeiras deslocações à Gruta da Avecasta, os arqueólogos perceberam a importância excecional do local. José Mateus lembra-se que, ao longo dos trilhos (ainda não existia estrada) entre a aldeia e a gruta, descobriram inúmeros materiais. E acredita que “a manta morta, esta folhagem no chão, esconde toneladas de material”.

Ao iniciarem as escavações, os arqueológos ficaram fascinados porque iam descobrindo várias camadas de sedimentação na gruta que revelavam diferentes épocas de ocupação. “Cada camada é um mundo por explorar”, refere José Mateus. A sondagem mais recente foi até aos sete metros de profundidade.

Para se ter uma ideia de como seria a vivência na gruta há milhares de anos, imaginemos uma aldeia com habitações dentro daquela cavidade de 40 metros de diâmetro.

As primeiras escavações arqueológicas foram realizadas nos anos 80 (Foto: José Gaio)

A equipa já vai na terceira campanha mas reconhece que ainda se sabe pouco sobre a gruta. Os objetos encontrados até agora – cerca de 7 mil peças – estão relacionados com as atividades de cada época.

Mas há uma atividade que parece ser constante ao longo dos séculos na gruta, a da metalúrgica. Em várias camadas foram descobertas forjas e vestígios associados como moldes e alguns objetos metálicos.

Aliás o topónimo Ferreira do Zêzere tem origem da antiga atividade dos ferreiros e não será alheio a estes vestígios.

A aldeia que ali existia do Neolítico à época do Bronze terminou com um cataclismo ainda não determinado. Os especialistas garantem que, durante cerca de mil anos, a gruta esteve desocupada e não teve qualquer utilização.

Na segunda Idade do Ferro, antes da época romana, a gruta voltou a ter ocupação e de novo surgem as forjas agora de maior dimensão. Dessa época foram encontrados moldes essencialmente para lingotes para os ferreiros trabalharem e escória de ferro.

Alguns dos objetos encontrados durante as escavações (Foto: José Gaio)

Esta “unidade industrial” ligada às forjas mantém-se em atividade até à Idade Média.

Em cima de uma mesa montada na gruta estão em exposição alguns dos objetos encontrados quase todos ligados a utensilagem da época, muita cerâmica e artefactos feitos em sílex.

Mas há também moedas, acessórios e alguns ossos. Curiosamente não foram encontrados ossos humanos pelo que os arqueólogos deduzem que os enterramentos seriam feitos nas imediações da gruta.

Mas foram encontrados ossos de lince, cujo ADN já foi utilizado nos estudos da espécie que está em fase de repovoamento no país.

Na gruta foi encontrada parte de uma mandíbula de um lince (Foto: José Gaio)

Perante tal riqueza e diversidade arqueológica num único espaço, a par do seu elevado grau de conservação, os arqueólogos defendem, além da continuidade dos trabalhos arqueológicos, que aquele sítio possa funcionar como escola de arqueologia.

Para isso contam com o apoio laboratorial do IPT, o empenho da Câmara e a criação de uma frente de ciência que é a associação “Double U Replay”, tudo conjugado para se criar ali “um portal multifacetado de história natural e da história humana”

Avecasta – Quando o povo se refugiou na gruta

De boca em boca, de geração em geração na pequena localidade de Avecasta passam histórias e lendas sobre a gruta.

Segundo relatos da população local, a Gruta da Avecasta serviu de refúgio para os habitantes da aldeia aquando das invasões francesas, há cerca de 200 anos.

Segundo depoimentos recolhidos pelos arqueólogos junto dos idosos da aldeia, nos anos 80, antes da invasão das tropas napoleónicas, surgiram na aldeia dois cavaleiros portugueses a avisar: “fujam, fujam que vem aí muita gente”.

Nessa altura os habitantes refugiaram-se na gruta e taparam a entrada com um muro em sete camadas, refere o relato popular. Existiria apenas uma pequena abertura por onde diariamente uma criança saía para ver o que se passava no exterior e para trazer mantimentos. Esse buraco era tapado com um ramo fresco que era substituído diariamente.

Desconfiados por não encontrarem ninguém na aldeia, os franceses deram com a gruta e começaram a derrubar o tal muro de sete camadas. Desistiram à sexta camada e o povo salvou-se, conclui a história, remetendo para o carácter místico do número sete.

Facto é que, quando os arqueólogos chegaram ao local nos anos 80, depararam-se com um grande caos de blocos na entrada da gruta, que fariam parte do antigo muro referido pelos idosos da aldeia.

Outra história da época que se ouve na aldeia é que existiria uma oliveira milenar de grandes dimensões mas oca por dentro, onde um homem se refugiou para fugir das tropas francesas. Descobriram-no e foi trespassado por um sabre no interior da oliveira.

Conta-se ainda que os franceses deram cereais aos cavalos, diretamente das arcas nas casas dos moradores locais.

Um Eco-Museu na Avecasta

Quem se mostra desde sempre entusiasmado com o projeto da Gruta da Avecasta é o vereador Hélio Antunes. Diz estarem reunidas condições para se criar uma estrutura multidisciplinar envolvendo várias entidades para reativar e prolongar o projeto.

A autarquia pretende que Avecasta seja também um ponto de atração turística, mas primeiro há que se fazer um trabalho de salvaguarda e criar-se um espaço de divulgação que seria uma espécie de Eco-Museu.

Conforme explica Hélio Antunes, tal como Dornes se afirma cada vez mais como destino turístico, pretende-se criar na zona da Avecasta rotas e percursos que abranjam não só a gruta e o antigo moinho, mas também a torre de D. Gaião, sítio de interesse histórico e patrimonial.

Ganhou o “bichinho” do jornalismo quando, no início dos anos 80, começou a trabalhar como compositor numa tipografia em Tomar. Caractere a caractere, manualmente ou na velha Linotype, alinhavava palavras que davam corpo a jornais e livros. Desde então e em vários projetos esteve sempre ligado ao jornalismo, paixão que lhe corre nas veias.

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1 Comentário

  1. Estou totalmente de acordo com os arqueólogos e não só,desta rica região Histórica que também foi o Santuário dos Templários.Mas tenham procedimentos de maneira que os visitantes não destruam os vestigios do antes e depois ainda por descobrir,o que seria uma perda incalculável.

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