O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas organizou na terça-feira, 15 de maio, um debate sobre Bullying Económico na Casa da Imprensa, em Lisboa. No decorrer da sessão foi lembrada a ação judicial da Celtejo contra Arlindo Marques, que exige uma indemnização de 250 mil euros ao ambientalista por danos atentatórios do seu bom nome. Um caso típico de bullying económico, ou “SLAPP” como foi classificado, que ameaça a liberdade de expressão.

“SLAPP” (strategic lawsuit against public participation), ação judicial estratégica contra a participação pública. O conceito define ações judiciais que têm como objetivo censurar, intimidar e silenciar críticas, mediante os elevados custos dos processos judiciais de defesa e possíveis indemnizações envolvidas. Este é um conceito americano, cuja prática, atentatória à liberdade de expressão, já foi tornada ilegal em vários estados dos EUA, Austrália e Canadá.

O tema começou por ser abordado pelo Professor Jónatas Machado, professor associado da Universidade de Coimbra que possui uma tese de doutoramento sobre Liberdade de Expressão.

Considerando que “a liberdade de expressão é importante para a esfera do discurso público e para a formação da opinião pública e da vontade política”, introduziu o conceito das “SLAPP” (em inglês também designa “estalo”), um problema que foi constatado há 30 anos nos tribunais dos EUA e sobre o qual se procurou definir enquadramento legal.

“Isto também é uma forma de assédio”, considerou, o tipo de situação que toda a gente sabe que existe nos tribunais mas que durante muito tempo se foi aceitando como inevitável. O professor deu vários exemplos de casos de SLAPP a nível internacional, como o que se está a registar sobre as vítimas de assédio sexual ligadas ao movimento Me Too.

“Aqui em Portugal temos vários exemplos. Um vimos recentemente com o do Guardião do Tejo”, referiu. “Para uma pessoa sozinha, 250 mil euros é logo uma ameaça de ficar na penúria”, constatou. O especialista mencionou também o caso da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que tem já um histórico no Brasil de processos judiciais contra jornais, inclusive de fiéis, sempre que surgem notícias sensíveis sobre a instituição religiosa.

Estas ações caracterizam-se, enumerou, pela intenção de “assediar”, “intimidar, silenciar e punir”, assim “como destruir institucionalmente, destruir financeiramente, destruir pessoalmente” os críticos, dando mais uma vez o exemplo do “Guardião do Tejo”.

As técnicas usadas são o aproveitamento da morosidade da justiça e dos custos da defesa, fazendo gastar tempo e energias com diferentes tipos de queixas junto de entidades de reguladoras. No caso dos jornalistas, a queixa por difamação tende a ser a mais fácil, porque reverte contra o acusado, que tem que provar que não difamou. Outra estratégia é a denúncia caluniosa e as ações judiciais civis.

Nas ações civis, explicou, usa-se muitas vezes o atentado ao bom nome, reputação e à privacidade para se exigir indemnizações muito pesadas. O objetivo será “retaliação”, “punir o crítico”, dissuadindo não só aquele que criticou como todos os outros que também poderiam criticar. Esta é assim uma forma muito grave de atentado à liberdade de expressão que pretende “aniquilar” o adversário. “É uma ameaça à cidadania e à participação democrática”, defendeu.

Jónatas Machado salientou mais uma vez que não são só os jornalistas os alvos do “SLAPP”, mas também indivíduos como Arlindo Marques, que estava apenas a zelar pelo interesse público. Esta inibição da liberdade de expressão em temas de cariz de interesse público traz diversas consequências, comentou, limitando-se a discussão de questões importantes sobre o sistema financeiro, a situação das crianças e dos seus direitos, a violações de direitos humanos que ficam por denunciar, o enfraquecimento da luta contra a corrupção ou a “trivialização” da esfera pública, onde tudo fica resumido a futebol e novelas.

O especialista reconheceu, porém, que há situações de colisão de direitos nas “SLAPPs”, uma vez que o queixoso também tem os seus direitos, devendo saber-se analisar quando está a ser aplicada efetivamente uma “SLAPP”, ou seja, existe uma “intenção” efetiva de calar a crítica.

Uma forma de conseguir distinguir estes casos, explicou, é analisar se se está a discutir uma questão de forte interesse público, como a poluição do Tejo ou corrupção, que interessa à comunidade política. Um juiz deve desconfiar quando se está a tentar silenciar alguém ou alguma instituição que está a defender um interesse público e as imputações que coloca são razoáveis.

A quantidade e a qualidade de ações instauradas também devem fazer levantar desconfianças entre os magistrados. Ações judiciais em sequência, montantes de indemnizações excessivos, poucas probabilidades de vitória, o grande impacto na opinião pública, a natureza do demandante e do demandado, o contexto, os interesses envolvidos, etc, têm que ser balanceados.

O especialista apontou novamente o caso de Arlindo Marques: “quando um juiz depara com uma chuva de processos judiciais sobre uma determinada instituição deve também desconfiar (…) quando no Guardião do Tejo se faz um pedido que vai destruir o demandado, o juiz também já deve estar alerta”.

Não havendo legislação anti-SLAPP em Portugal, o que se pode fazer?, questionou. A nível jurídico há várias doutrinas, como a do abuso do direito e da defesa da liberdade de expressão, da democracia e do Estado de direito, comentou.

Para o especialista, grandes poderes como o do desporto ou de uma grande instituição religiosa, grandes estruturas corporativas, devem ter o mesmo estatuto que o das figuras públicas, como os políticos, estando sujeitos a um escrutínio maior.

Uma aposta na legislação anti-SLAPP daria aos juízes meios para despistar este tipo de ações, pelo que o professor defendeu que se crie legislação nesse sentido. Ao mesmo tempo, argumentou, os jornalistas e os cidadãos deveriam gozar de uma “imunidade” semelhante à dos políticos sempre que se discutam temas de “relevante interesse público”, mediante o façam de forma “razoável e fundamentada”.

Jónatas Machado deixou ainda alguns exemplos de âmbito jurídico sobre como fazer face às SLAPPs com a legislação atual. “É possível com multas, com pedidos de indemnização, tentar travar estas ações”, concluiu, trabalhando-se por exigir legislação anti-SLAPP.

Na sessão interveio ainda o advogado Teixeira da Mota, também abordando as SLAPPs nos media nacionais. Este debate realizou-se “na sequência da Nota que o Conselho Deontológico emitiu manifestando a sua preocupação com o fenómeno que classifica de Bullying Económico, uma forma de pressão económica, exercida através de instrumentos jurídicos, sobre os jornalistas e os órgãos de comunicação social, a qual condiciona fortemente a investigação jornalística e põe em causa o livre exercício da liberdade de expressão”, refere a página de facebook do Sindicato de Jornalistas.

Cláudia Gameiro, 32 anos, há nove a tentar entender o mundo com o olhar de jornalista. Navegando entre dois distritos, sempre com Fátima no horizonte, à descoberta de novos lugares. Não lhe peçam que fale, desenrasca-se melhor na escrita

Entre na conversa

1 Comentário

  1. Penso que foi exactamente isso que aconteceu relativamente aos activistas que defenderam a Reserva Natural Local do Estuário do Douro (RNLED) de um festival multitudinário mega ruidoso (MEO Maré Vivas) e de umas decisões políticas ao nível da administração local (Presidente e Munícipio de VN Gaia) e nacional (Ministro do Ambiente via APA e ICNF) mais que condenáveis ! Processo que ainda corre nos tribunais ao dia de hoje !

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *