Primeira sessão da iniciativa Tagusvalley Open Doors, designada ao tema 'A Inovação no Sector Agroalimentar'

‘A Inovação no Setor Agroalimentar’ foi o tema central de um encontro que decorreu na quarta-feira, 10 de outubro, no Tagusvalley, em Abrantes. Da importância dos insetos na alimentação do futuro até às tendências alimentares das novas gerações, o debate mostrou que a aposta do mercado vai para a diferenciação e para a diversidade de produtos alimentares. A iniciativa ‘Tagusvalley Open Doors’, durante os meses de outubro e novembro, passa por um conjunto de atividades que pretendem divulgar e promover os recursos disponíveis no Parque Tecnológico do Vale do Tejo e as empresas que despontam e germinam na sua incubadora de projetos empresariais.

Iniciou-se com ‘A Inovação no Setor Agroalimentar’ um ciclo de iniciativas da Tagusvalley batizada de ‘Open Doors’ no sentido de abrir as portas à inovação, empreendedorismo e transferência de conhecimento. Segundo a organização, esta iniciativa “foi programada a pensar nas necessidades de quem procura o Tagusvalley e promover junto dos empresários a inovação, a ciência e a transferência do conhecimento”.

A primeira iniciativa foi, então, dedicada à inovação na comida que comemos diariamente, em casa, no trabalho, na escola, no restaurante ou enquanto caminhamos pela rua.

Particularmente dos novos produtos no mercado que sejam apelativos ao consumidor, isto é, que o façam comprar, seja pelas preocupações com uma alimentação mais saudável ou até pela moda de fotografar alimentos diferentes para partilhar nas redes sociais.

Esta é a realidade presente e está nas prateleiras dos supermercados, nas lojas de produtos gourmet, nos restaurantes mais inovadores. É por isso que as empresas e as marcas não podem deixar de inovar e procurar produtos novos que vão ao encontro das necessidades e exigências dos consumidores, percebendo as tendências das novas gerações, foi defendido no debate realizado na quarta-feira, no edifício Inov.Point do Tagusvalley, em Abrantes.

No âmbito do tema ‘A Inovação no Setor Agroalimentar’ José Gonçalves, da Associação Portuguesa de Produtores e Transformadores de Insetos, levou para o debate os insetos como fonte proteica dando conta dos alertas da FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura – que em 2013 defendia a produção e o consumo de insetos como uma fonte alternativa de proteína, mais sustentável do que a carne ou o peixe, pensando que em 2050 o planeta terá 9 mil milhões de habitantes.

A realidade é que os insetos já andam pelas bocas de muitos consumidores europeus, em forma de massas, barras energéticas, hambúrgueres, pão ou bolachas apesar de não ser claramente legal a colocação de produtos com insetos, para consumo humano, no mercado da União Europeia.

A verdade é que o regulamento aprovado pela União Europeia em 2015 introduziu os insetos na lista de ‘novos alimentos’ autorizados para consumo humano. Em 2018, a 1 de janeiro, a entrada em vigor de uma diretiva comunitária abriu caminho à produção e comercialização na Europa de produtos à base de insetos.

A batalha legislativa é a segunda das grandes batalhas que os investidores na produção de insetos têm de ganhar, segundo José Gonçalves. A primeira é a da repugnância, e é por isso que os produtores já perceberam que o consumo no mundo ocidental não passa pelos insetos inteiros, mas sim por farinha, bolachas, patés ou massas.

Primeira sessão da iniciativa Tagusvalley Open Doors, designada ao tema ‘A Inovação no Sector Agroalimentar’. José Gonçalves

E é também devido à diretiva, que abre uma porta do regulamento no que toca à colocação no mercado da União de produtos com insetos, que países como o Reino Unido, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Alemanha ou Áustria permitem o seu comércio, embora com restrições. Em Portugal é “absolutamente ilegal”, explica José Gonçalves.

No entanto, e porque os insetos, nomeadamente o grilo doméstico ou o tenebrio molitor, mais conhecido como bicho-da-farinha, são igualmente ou até mais nutritivos que os animais que comemos habitualmente. Por exemplo, “em percentagem de aminoácidos essenciais o grilo tem 45, o tenebrio molitor 50 e a vaca 16”, indica, o que leva os investidores a não desistirem dessa aposta.

Além disso, do ponto de vista ambiental “produzir insetos absorve recursos do planeta numa escala muito inferior à criação de vacas, porcos ou galinhas”, acrescentou. Ou seja, revelam ser mais eficazes.

Em média, “1,700 quilogramas de alimento chegam para produzir um quilo de grilos, enquanto são necessários dez quilos de ração para um quilo de carne de vaca” exemplifica. Acrescentando José Gonçalves que “consomem menos água, produzem menos gases com efeito de estufa, sendo necessário uma área de produção menor”.

Depois de ultrapassada a batalha da repugnância, entendendo que “a forma como olhamos para os alimentos depende da geografia”, e a batalha legislativa, a terceira batalha passa pela produção em escala.

“O que se faz no mundo ocidental é uma fase teste, importa robotizar para tornar a produção rentável”, defendeu, como já acontece com o IKEA na Suécia.

Primeira sessão da iniciativa Tagusvalley Open Doors, designada ao tema ‘A Inovação no Sector Agroalimentar’. Maria Lima

Maria Lima e Cristina Laranjeira, da Escola Superior Agrária – Instituto Politécnico de Santarém, escolheram abordar os processos de transformação dos alimentos, no âmbito do projeto Agrio et Emulsio – New Products Development, promovido pela Escola num consórcio multiregional, para aplicação “não só na indústria mas também na restauração” explicou Maria.

Os objetivos do projeto passam por inovar em food design & technology, para se obter novos cremes de barrar frutados ou com bases vegetais e novos produtos vinagreiros de vias fermentativa e não fermentativa. Isto utilizando metodologias sustentáveis que valorizem matérias-primas regionais com potencial de aplicação em mercados gourmet, diatético e vegan, uma vez que estas são as tendências dos atuais consumidores.

O carácter inovador nos cremes de barrar (emulsões) de origem ou lacto vegetarianos, resultam na adição de xarope de morango, cogumelo shiitake e pimento (vermelho e amarelo) processados de forma diferente, com fase aquosa vegetal, ou com concentrado proteico de soro de leite de cabra. Também mostardas com frutos vermelhos ou beterraba configurando-lhes um sabor frutado e uma cor vermelha, tornando o produto diferenciador. E ainda pickles bêbedo de batata doce, em vinagre de vinho tinto e gin, inovações que acreditam poder agradar ao consumidor.

Por seu lado, Patrícia Marques, do CATAA – Centro de Apoio Tecnológico Agro-Alimentar, abordou as tendências do sector começando por dizer que são 10 os pontos a ter em conta pelos empresários do sector agroalimentar: as escolhas conscientes, o prazer sem peso na consciência, processado positivamente, alimentação circular, cafés e chás dominam, captar olhares, jantar fora em casa, mini refeições, jardins oceânicos e variar para conquistar.

Primeira sessão da iniciativa Tagusvalley Open Doors, designada ao tema ‘A Inovação no Sector Agroalimentar’. Patrícia Marques

Resumindo: Os consumidores têm cada vez mais preocupações dirigidas aos estilos de vida mais limpos e saudáveis e portanto os produtos alimentares lançados no mercado estão cada vez mais a conjugar os conceitos de bem-estar do corpo e da mente, com preocupações éticas, ambientais e sociais.

“O consumidor tem aumentado a procura de alternativas menos prejudicais a alimentos que proporcionam momentos prazerosos mas que apresentam um impacto negativo no estilo de vida saudável. Procuram cada vez mais alimentos com processamentos mais tradicionais, que resultam em produtos mais naturais e benefícios para o organismo. A tendência pelo que é fabricado tradicionalmente mantém-se, pelo que a aposta nas certificações dos métodos de produção continua a ser uma boa aposta”, explicou.

Além disso, segundo Patrícia Marques, é necessário dar um uso inteligente aos recursos, e este é um dos eixos que incorpora o conceito de economia circular, que se aplica na industria alimentar.

“A maior parte das marcas comunica na rotulagem dos seus produtos afirmações referentes à sustentabilidade ambiental”. Outra tendência é a procura de produtos com sabores a café e a chás. Há também o aumento do número de produtos lançados no mercado que se focam nas cores com o intuito de atrair atenções. O aspeto da cor dos alimentos tem sido um grande motivador para os consumidores devido às redes sociais, nomeadamente a plataforma Instagram, especialmente para os milenials e geração Z.

Igualmente tendência de mercado são produtos e refeições prontas a comer de elevada qualidade ao nível de um restaurante de referência, para comer em casa. Normalmente, têm associado a assinatura de um chef de renome. A adição de algas e vegetais marinhos é também tendência e pode ser uma forma de produzir pratos mais saudáveis salgados.

Por fim, atualmente, a indústria alimentar tem apostado em produzir produtos diferenciadores com sabores distintos do habitual.

Por seu lado, Carlos Lopes de Sousa, da Agrocluster, declarou que o sector agroalimentar tem de apostar em produtos “vendáveis” e “inovadores”.

Sobre o futuro falou numa aposta “na diferenciação e na diversificação” considerando Portugal “um país com todas as condições para suportar este objetivo” por ser um País “diversificado do ponto de vista agrícola”.

 

“As condições climáticas são bastante distintas de Norte a Sul”, lembrou, tendo defendido produtos ligados “aos nossos recursos” exemplificando com o pimento que, segundo diz, “tem de ser potenciado. Temos um potencial de 30 ou 40 mil toneladas de pimento em Portugal, fora o fresco”.

Primeira sessão da iniciativa Tagusvalley Open Doors, designada ao tema ‘A Inovação no Sector Agroalimentar’. Carlos Lopes de Sousa e Pedro Saraiva

Carlos Lopes de Sousa constata o retorno a processos que do ponto de vista industrial são mais baratos. “Temos de voltar um bocado atrás”, disse, exemplificando com os vinagres com processos fermentativos baratos que não necessitam de calor, de caldeira ou vapor.

Outras das exigências do consumidor são “os alimentos minimamente processados” o que acaba por “baixar os custos industriais e apresentar um produto cada vez mais natural”.

Quanto à sustentabilidade ambiental defende haver uma única solução: “Só se resolve quando for contabilizado o peso do CO2 no processamento industrial, enquanto isso não acontecer … os combustíveis fosseis estão acima e uma série de alternativas energéticas fartam-se de trabalhar para conseguir o seu espaço”.

Focou ainda as “barreiras legais que a União Europeia coloca sempre a qualquer processo de inovação. E estão relacionadas com a lentidão e inércia da certificação … uma coisa extremamente pesada”, notou.

Assim, durante uma manhã, os intervenientes, em formato de mesa redonda, partilharam experiências acerca do estado da inovação no sector e elencaram os principais desafios da indústria que refletem o impacto das novas tendências na alimentação, admitindo que o sector agroalimentar deve continuar a responder aos desafios e promover hábitos mais saudáveis.

A iniciativa “Tagusvalley Open Doors” decorre durante os meses de outubro e novembro, sendo as atividades abertas a todos.

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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