Joaquim Mendes agraciado com prémio no Dia Internacional do Voluntariado pelo projeto 'Férias de Campo' conquistando 'Prémio Carreira' pela qualidade do trabalho desenvolvido. Créditos: mediotejo.net

Joaquim Mendes, escuteiro desde os 13 anos e chefe do Agrupamento 697 de Rossio ao Sul do Tejo (Abrantes), fez nascer em 2004 o projeto ‘Férias de Campo’. A ideia passou por desafiar os Caminheiros e após 16 edições chegou o reconhecimento dessa iniciativa ao vencer, em dezembro, o ‘Prémio Carreira’ do Troféu Português de Voluntariado. O mediotejo.net foi conhecer esse projeto inspirador que já se replicou noutras zonas do País, sendo atualmente dez os agrupamentos de escuteiros que o implementam.

O caminheirismo, desde há 100 anos, por definição é “uma fraternidade do ar livre e do serviço. E o serviço está sempre presente no caminheirismo”, começou por explicar o chefe Joaquim Mendes ao falar sobre o projeto ‘Férias de Campo’, iniciativa que nasceu em 2004 durante “uma atividade regional” dos escuteiros.

Joaquim Mendes (ou Pietra para os amigos) e a colega Carla Espadinha ficaram “responsáveis” pela atividade dos Caminheiros. “Fizemos uma tarde com as crianças da Casa de São Miguel” que naquela época funcionava exatamente no local onde está instalada atualmente a sede o Agrupamento 697 de Rossio ao Sul do Tejo e “as meninas do Patronato Santa Isabel”.

Mais tarde surge, então, o desafio aos Caminheiros, uma proposta com uma causa mais pessoal, envolvendo uma ação mais continuada no tempo, para durante três dias “tomarmos conta das crianças e jovens e assumirmos tudo. Ou seja, angariarmos a alimentação e prepararmos a atividade para o dia inteiro”, explica Joaquim Mendes.

A proposta foi aceite, ganhou fôlego e não mais parou, acabando por resultar num comprometimento, numa atividade de serviço, promovida pelo chefe Joaquim Mendes e preparada e realizada por Caminheiros para crianças de instituições de acolhimento residencial da zona de Abrantes, região de Portalegre e Castelo Branco.

Joaquim Mendes agraciado com prémio no Dia Internacional do Voluntariado pelo projeto ‘Férias de Campo’ conquistando ‘Prémio Carreira’ pela qualidade do trabalho desenvolvido. Créditos: mediotejo.net

Nasce assim o projeto ‘Férias de Campo’ para desafiar os Caminheiros e 16 edições depois chegou o reconhecimento dessa iniciativa ao vencer, em dezembro de 2019, o ‘Prémio Carreira’ do Troféu Português de Voluntariado.

“A maior importância do troféu acaba por ser a divulgação. Porque não fazemos divulgação do projeto, não há interesse! Temos um público muito sensível, com situações muito sensíveis, crianças que estão à guarda de uma instituição. O troféu trouxe essa divulgação ao escutismo nacional o que pode facilitar o aparecimento de novos projetos. Vale por isso!”, sublinha, convencido que outros projetos surgirão.

A origem da atividade remonta ao dia de São Jorge da região de Portalegre e Castelo Branco naquele ano de 2004, organizado conjuntamente pelos quatro agrupamentos de escuteiros da cidade de Abrantes. A atividade ficou a cargo do Agrupamento 697 de Rossio ao Sul do Tejo e incluiu uma tarde de “servicinho” em atividades com as crianças da duas instituições de acolhimento de crianças de jovens da cidade: o Lar de Infância e Juventude da Santa Casa da Misericórdia de Abrantes (ex-Patronato Santa Isabel) e a Casa de São Miguel (CAT) – Centro Social e Interparoquial de Abrantes.

A primeira experiência decorreu em instalações da PEGOP – Central Termoelétrica do Pego. Alojamento em regime de acampamento “que é fator distintivo do escutismo, em ambiente protegido, muita animação, jogos no espaço restrito da Herdade das Casas Brancas. Correu muito bem! Foram três dias intensos”, recorda.

Projeto ‘Férias de Campo’. Créditos: Agrupamento de escuteiros do Rossio ao Sul do Tejo

Desde então passou a ser planeado ao longo do ano com os voluntários. “Marcamos uma data, normalmente durante o verão. Há um núcleo duro que faz o planeamento com antecedência e mais perto da data juntam-se outros voluntários em função das necessidades. É escolhido um filme para o imaginário que enquadra toda as atividades realizadas. Em 2019 estiveram 32 crianças e jovens participantes e tivemos 16 escuteiros”, lembra o chefe Mendes.

O local das férias alterou-se logo no ano seguinte com a pré-inauguração do Centro de Férias de Codes, em Sardoal. Estes espaço, “cedido gratuitamente pela Câmara Municipal de Sardoal, passou a ser o local de realização por oferecer condições de logística e segurança. Cozinha, balneários, águas quentes, espaço de ar-livre para atividades e proximidade da praia fluvial do Penedo Furado” em Vila de Rei.

Três anos depois o projeto passou a integrar o CAT – Casa de São Miguel. Por convite, em 2013 entraram duas novas instituições de Torres Novas e uma de Alpiarça, ano em que recebe o “apadrinhamento” da Equipa Pedagógica Mundo Melhor e ainda no mesmo ano foi apresentado como comunicação no congresso dos 90 anos do Corpo Nacional de Escutas. Em 2018 entrou o CAT de Praia do Ribatejo. Atualmente são convidadas seis instituições da região.

Fruto deste “semear”, através da divulgação nacional, em 2016 nasceu o primeiro ‘clone’ com as ‘Férias de Camp’Oeste’ com o suporte do Núcleo do Oeste/Lisboa. Em 2017 nascem mais três projetos: “Crianças ao Rubro”, do Núcleo terras de Santa Maria/Porto num trabalho continuado ao longo de todo o ano a culminar com o acampamento. ‘Férias de Campo Guimarães’, no Núcleo de Guimarães/Braga, e ‘Férias de Campo Coimbra’, na região de Coimbra.

Em 2018 desenvolveu-se as ‘Férias de Campo Litoral’, do Núcleo Litoral/Porto, ‘Férias de Campo Vila Verde’, do Núcleo Vila Verde/Braga, e as’Férias de Campo Viana do Castelo’. No ano passado nasceram os dois projetos mais recentes com as ‘Férias de Campo Famalicão’, no Núcleo de Famalicão/Braga, e as ‘Férias de Campo Aveiro’. Todos os projetos iniciados atá ao momento continuam a ter a periodicidade anual com uma equipa de Caminheiros voluntários que vão passando o testemunho aos do ano seguinte.

“Há promessas para Guarda e vou lá em fevereiro promover a ideia. É um desafio que lhes fazemos de forma a passar o conceito: aquilo que fazemos aqui é possível fazer em qualquer lado. É um modelo muito aberto em função da realidade local, os Caminheiros criam a sua equipa e fazem o seu projeto com as instituições da região. Permite uma experiência diferente às crianças que conhecem outras. E não são muito exigentes. Gostam de tudo!”, refere o chefe Joaquim.

Projeto ‘Férias de Campo’. Créditos: Agrupamento de escuteiros do Rossio ao Sul do Tejo

Atualmente existem então dez projetos, noutros tantos agrupamentos de escuteiros, incluindo o de Rossio ao Sul do Tejo. Em 2019 envolveu 200 voluntários por todo o País e 213 participantes. ‘Férias de Campo’ são três dias a acampar onde os Caminheiros (jovens escuteiros com idades entre os 17 e 21 anos) se voluntariam para acompanhar crianças institucionalizadas.

Para os Caminheiros voluntários “é uma oportunidade de colocar à prova as suas capacidades, quer no planeamento antecipado, interagindo com os seus pares, muitas vezes desconhecido até entrar no projeto. Este tipo de voluntariado é muito exigente por ser necessário 24 horas por dia”.

“Para além da parte ‘divertida’ de animar jogos e atividades é sempre preciso o trabalho de bastidores para preparar as refeições atempadamente, assegurar a higiene e segurança dos participantes. É preciso também disponibilidade de tempo e espaço para ouvir”, explica.

Na era digital, crianças e jovens no escutismo

Para Joaquim Mendes “é a diversidade de atividades” que ainda atrai crianças e jovens para o escutismo.

“Ao fim de um tempo começam a participar em atividades nacionais e internacionais e a conhecer outras realidades, mas no dia a dia é a possibilidade de fazer as manualidades. Desenvolvimento de capacidades físicas e intelectuais”, diz, exemplificando com a “leitura de mapas e cartas” numa época em que (quase) toda a gente utiliza GPS.

“Às vezes é preciso levá-los para um local onde não há rede para perceberem a importância de saber ler um mapa em papel, uma carta militar que tradicionalmente sempre se usou”, nota.

Menciona a existência de “crianças que aos 10 anos não sabem dar uma cambalhota. A agilidade é muito mais de polegares e de ecrãs. Já nascem com um ecrã táctil à frente dos olhos e dos dedos. E nós, sem excluirmos isso, temos o acampar, a fogueira, o sujarem-se, o passarem algum frio, o desconforto que ajuda a dar mais valor ao conforto que têm, e a promoção da autonomia. Há um conjunto de competências que acabam por desenvolver e valorizar”, observa.

Joaquim Mendes agraciado com prémio no Dia Internacional do Voluntariado pelo projeto ‘Férias de Campo’ conquistando ‘Prémio Carreira’ pela qualidade do trabalho desenvolvido. Créditos: mediotejo.net

Um vida dedicada ao escutismo

Joaquim Mendes natural de Rossio ao Sul do Tejo, tem 50 anos, é funcionário público no serviço de Finanças de Abrantes. Escuteiro desde 1982, tinha então 13 anos, aquando da fundação do Agrupamento 697 de Rossio ao Sul do Tejo. Teve uma passagem pelo Agrupamento de escuteiros de Alferrarede, durante 3 anos, onde desempenhou funções. Depois voltou em permanência ao grupo do Rossio. No momento está a terminar um mandato na Equipa Nacional de Caminheiros para se dedicar ao trabalho local.

Fala no escutismo como “um projeto de vida” que exige muita dedicação. “Faço-o porque acho que vale a pena. O reconhecimento que as crianças dão durante ou no fim da atividade, justifica que se faça e leve outros a fazer” ações de voluntariado, afirma.

No projeto ‘Férias de Campo’ “há mais tempo e mais espaço” que as crianças aproveitam. “Muito rapidamente contam as suas histórias de vida, naturalmente libertam aquilo que têm para partilhar, com muita facilidade, no fundo, pedem ajuda”, nota.

O chefe, que afasta a consideração da atual juventude ser fútil, reconhece “dificuldades” na comunicação nas novas gerações. “Como toda a variedade de meios de comunicação temos dificuldades em comunicar. São tantas as solicitações que às tantas passamos uma mensagem lida instantaneamente mas depois caíram 50 mensagem e aquilo que era importante passou ao lado”.

Antes de trabalhar no serviço de Finanças, Joaquim Mendes foi professor de Informática na Escola Dr. Solano de Abreu. “Na altura tinha uma equipa de desporto aventura, atividades de ar livre e natureza. Gosto de fazer atividades de montanha e isso nasce na sequência do escutismo”, admite, acrescentando que hoje um problema nos joelhos “aligeirou-lhe” essa prática, embora vá ou à Serra da Estrela ou à Lousã com os amigos.

Fora da vertente competitiva, o seu desporto “sempre foi muito de contemplar, ver e conhecer sítios novos, caminhar. Gosto de um viajar lento e demorado, de todo o terreno”, diz, referindo Marrocos como “a África mais próxima” onde consegue viver “pistas de terra, pedras e areia e o contacto com as populações”.

Até nas viagens de lazer a vertente social vai acoplada. Lembra que na primeira vez que esteve em Marrocos, em 2008, levou, em conjunto com os amigos, material para um orfanato “pasta de dentes, escovas, bolas, material escolar”.

Também os livros que lê têm relação com os escuteiros, por “necessidade” no sentido de preparar atividades. Tendo crescido numa povoação ribeirinha gosta de estar à beira do rio Tejo, de ouvir música, “não tocando nenhum instrumento”, contrariamente à maioria dos escuteiros.

Nesta sua vida dedicada à causa social, Joaquim Mendes, solteiro e sem filhos, refere ainda outro projeto, quando no ano 2000 iniciou como voluntário num campo de férias para crianças queimadas através da Associação Amigos dos Queimados (AAQ).

“Uma outra experiência interessante, como voluntariado. Há coisas que fazemos nestes campos de férias ou no escutismo que não o faria se fosse pago para isso, claramente! Fazemos porque temos este compromisso e temos de assumir todas as tarefas. Sendo certo que se não valesse a pena já não o fazia”, garante.

Nos tempos livres ainda visita, semanalmente, a instituição Casa de São Miguel em Abrantes “sem grande compromisso mas com alguma rotina”. Conversa com as crianças e ajuda a fazer os trabalhos da escola ou a compor qualquer coisa que se partiu ou estragou em casa, mas “muitas vezes limito-me a estar”, tendo em conta o “conceito da continuidade” e as referências de que todas as crianças necessitam.

Joaquim Mendes agraciado com prémio no Dia Internacional do Voluntariado pelo projeto ‘Férias de Campo’ conquistando ‘Prémio Carreira’ pela qualidade do trabalho desenvolvido. Créditos: Corpo Nacional de Escutas

As comemorações do Dia Internacional do Voluntariado, decorreram no início de dezembro de 2019 na cidade de Guimarães com várias celebrações e a entrega de prémios pela Confederação Portuguesa do Voluntariado.

O “Prémio Carreira” foi entregue a Joaquim Mendes do Agrupamento 697 “pelo interesse sócio-económico do projeto ‘Férias de Campo’ em benefício dos jovens do concelho, na ausência de respostas semelhantes às necessidades locais”.

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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