Foi a primeira fábrica de tomate do país, fundada em 1938 para responder à crescente produção proporcionada pelas ricas terras do Ribatejo. Teve na sua origem iniciativa, capitais e mão-de-obra portugueses e tecnologia italiana. Por isso adotou o nome SPALIL – Sociedade de Produtos Alimentares Luso-Italiana, Ld.ª. Durante mais de sessenta anos animou a atividade económica da Chamusca e desta vasta região.
Deu trabalho direto ou indireto a muita gente, daqui e de fora, incentivou o cultivo do tomate e de diversos outros produtos do campo que transformava e que constituíam importante fonte de rendimento para centenas de pequenos e médios agricultores.
Não resistiu às exigências da modernização tecnológica e acabou por fechar, como aconteceu a outras unidades do seu género de concelhos vizinhos. Hoje é uma ruína que se acentua com o passar do tempo. E um testemunho de uma época em que o trabalho era muito duro mas havia que bastasse para todos.
A ideia surgiu nos anos 30 quando um grupo de agricultores da Chamusca se apercebeu das potencialidades do campo para produzir tomate para fins industriais e do que isso poderia significar em termos económicos. Havia condições para alargar imensamente a área de cultivo, havia vontade de impulsionar o setor agroalimentar, em grande parte incentivada pelas políticas desenvolvimentistas do Estado Novo nascente e havia até capitais para a concretização do projeto. Faltava a tecnologia, o know-how como agora se diz.
Em matéria de tecnologia da transformação e conserva de tomate, a vanguarda estava então em Itália, em especial no vale do Pó. Por isso, um dos promotores da ideia, Francisco Mascarenhas, deslocou-se a Parma para obter informações sobre a maquinaria necessária à montagem de uma fábrica de tomate na Chamusca. O industrial italiano Pierino Cavazzini não apenas facultou essas informações como mandou a Portugal o filho Giovanni que orientou a instalação da SPALIL e por cá ficou a gerir a nova sociedade luso-italiana com os seus sócios portugueses, entre os quais Manuel da Silva Gomes.
Nos primeiros tempos de laboração a SPALIL produzia apenas concentrado de tomate. No ano seguinte ao da sua fundação começava a Segunda Guerra Mundial e durante os seis anos que ela durou a fábrica da Chamusca forneceu enorme quantidade de liofilizados aos países em conflito. Mais tarde desenvolveria a laboração com outros produtos alimentares em conserva, como picles, pimento, cenoura, alcaparra, mostarda e outros.
Vendia muito para Inglaterra, sobretudo para a Heinz, a empresa que viria a adquirir a fábrica de tomate da IDAL em Benavente, e para as colónias, um mercado que cresceu imenso nas décadas de 50 e 60.
Funcionava todo o ano, empregando 30 a 50 trabalhadores permanentes. Mas o volume maior de trabalho era no período da campanha do tomate, nos meses de verão, ocupando centenas de pessoas. A campanha de 1969 foi a melhor de todas, envolvendo 519 trabalhadores. No campo era tal a necessidade de mão-de-obra para a apanha do tomate, feita sobretudo por mulheres, à mão para grades de madeira, que vinha muita gente de fora, às vezes de longe, em especial do Alentejo. A mecanização que se iniciou nos anos 70 viria reduzir substancialmente essa precisão de braços.
A SPALIL foi, no seu tempo, uma das poucas indústrias do concelho da Chamusca, a par da fábrica de papel de Ulme e da fábrica de cerâmica do Pereiro. E tinha caraterísticas regionais, abrangendo uma vasta área da lezíria e da charneca onde a produção de tomate conheceu grande incremento, em especial nos anos 60. Muitos pequenos e médios seareiros que produziam tomate, cenoura, pepino, em especial nas terras do Pinheiro e da Carregueira, conheceram então alguma prosperidade graças à SPALIL que lhes absorvia a produção em condições compensadoras. O tomate e outros produtos do campo eram inicialmente transportados em carroças dos próprios produtores ou então em pequenas camionetas que alugavam em comum para servir um número maior deles com custos partilhados.
As instalações construídas no início da fábrica eram apenas as que se situam junto à estrada e que, por serem as mais antigas, são as que se encontram hoje em maior ruína. Tudo o restante seria erigido nos finais da década de 60, a época de ouro da empresa, para responder ao enorme crescimento da sua atividade.
Foi uma verdadeira escola de quadros e ocupava muita gente jovem durante as férias escolares de verão, constituindo para muitos a primeira experiência de trabalho. Rapazes e raparigas desempenhavam funções várias, mas a que todos gostariam de evitar era a da receção do tomate devido aos frequentes conflitos que ocorriam entre o funcionário que recebia o produto e o classificava a partir de uma amostra e o agricultor que muitas vezes não concordava com essa classificação. No final da campanha, para além de inúmeras e enriquecedoras experiências, havia um dinheirinho no bolso que dava jeito para os gastos e significava até uma certa autonomia. E relações mais fortes com os companheiros de trabalho. Ainda hoje há quem alimente páginas no Facebook com memórias das campanhas do tomate na SPALIL nos tempos da juventude…
O grande incremento da produção de tomate nestes concelhos do Médio Tejo levaria à instalação de outras empresas transformadoras nos concelhos vizinhos da Golegã e de Torres Novas: a SIC na Azinhaga e a UNITAL em Riachos. Nasceram depois da SPALIL, mas encerraram ambas antes dela.
A falência ditou o encerramento da fábrica em 2002, deixando no desemprego 47 trabalhadores, a maior parte deles com muitos anos de serviço e de dedicação à empresa. As máquinas seriam vendidas, dois anos depois, a uma empresa australiana. Os trabalhadores viram arrastar durante longos anos o processo de fecho das contas, só tendo recebido a indemnização possível no ano de 2010.
Surgiram entretanto diversos projetos para reativação do espaço e dos equipamentos existentes, mas nenhum deles vingou. E continua por encontrar um destino viável para o que ficou da primeira fábrica de tomate de Portugal.
À beira da estrada, vergada ao peso do tempo e aos anos de abandono, a SPALIL continua a ser, apesar da ruína que dela vai tomando conta, uma referência na paisagem, um lugar de recordações, boas e más, para muita gente, e uma presença a avivar-nos a memória da Chamusca do século que passou.
É ribatejano. De Salvaterra, onde nasceu e cresceu. Da Chamusca onde foi professor de História durante mais de 30 anos. Da Golegã, onde vive há quase outros tantos. E de Constância, a que vem dedicando, há não menos tempo, a sua atenção e o seu trabalho, nas áreas da história, da cultura, do património, do turismo, da memória de Camões, da comunicação, da divulgação, da promoção. É o criador do epíteto Constância, Vila Poema, lançado em 1990 e que o tempo consagrou.
Escreve no mediotejo.net na primeira quarta-feira de cada mês.
Mais um excelente artigo, como já nos habituou AMC. É um documento histórico e cultural de grande valor, que perpetua as nossas memórias coletivas, o modo vida, uma escola de aprendizagens práticas e de valores fundamental para várias gerações de jovens e uma fonte de emprego sazonal para dezenas de pessoas de várias zonas do país.
A gestão da SPALIL soube acompanhar a evolução tecnológica até aos finais do séc XX, com linhas de montagem e embalamento automáticas, mas nao resistiu aos ultimos investimentos e exigências da UE…
AMC trata neste documento, de forma quase radiográfica, todo o contexto desta indústria agroalimentar, desde o seu início até a sua decadencia de forma sublime. Parabéns ao autor e ao Mediotejo, por nos facultarem este precioso naco da nossa história recente.