O Santuário de Fátima deu a oportunidade ao jornalista António Marujo de abrir o arquivo do “correio” de Nossa Senhora e fazer uma primeira e inédita investigação em torno do conteúdo das mensagens e sobre o que elas revelam sobre os crentes. Uma análise por cerca de 50 mil cartas deixadas em Fátima e que mostram, como nenhum outro documento, o tempo e os problemas que o marcavam. O livro “A caixa de correio de Nossa Senhora” foi apresentado no domingo, 11 de outubro, no Centro Pastoral Paulo VI.
Uma investigação que “abre novos horizontes de investigação”, admitiu o Reitor do Santuário de Fátima, Padre Carlos Cabecinhas, constatando a expectativa que esta primeira iniciativa abra “novas perspetivas” de análise. “O correio de Nossa Senhora é um retrato de Fátima, mas também um retrato religioso, social e político daqueles anos”, frisou, e não só de Portugal.
Carlos Cabecinhas salientou o “arrojo” do autor na escolha dos temas, referindo que este partiu essencialmente da questão da guerra. “O século de Fátima foi o século das guerras”, constatou, havendo uma relação particular entre estas mensagens a Nossa Senhora e a guerra colonial. “Fátima reflete a complexidade” da sociedade.
Da parte do departamento de estudos do Santuário de Fátima, Marco Daniel Duarte fez uma exposição sobre a obra, frisando o trabalho “árduo” do seu autor. Para o responsável, esta abertura da instituição à investigação mostra que “o conhecimento não é inimigo da crença. Fátima é um lugar do conhecimento da humanidade”.
Com 245 páginas e escrito em “linguagem da reportagem jornalística”, o trabalho em sete capítulos percorreu as milhares de mensagens que foram sendo deixadas para Nossa Senhora no último século. “Não é possível contar a história de um país sem passar pelo arquivo do Santuário de Fátima”, constatou, referindo que não haverá outro arquivo semelhante no país. São mensagens de “ternura”, mas também de “ódio e de raiva”, afirmou o responsável.
A encerrar a apresentação, António Marujo recordou que quando começou a trabalhar em Fátima fazia-lhe confusão não haver mais investigação sociológica em torno da cidade. Nas mensagens deixadas a Nossa Senhora, encontrou sobretudo pedidos por “emprego, saúde, uma vida digna”. “Não se pede para ser rico”, comentou.
Há ainda muitos mensagens relacionadas com a “harmonia familiar”, com identificação de “problemas gravíssimos”, adiantou, sem especificar, referindo apenas que hoje são considerados “crimes graves”. Depois há a guerra e os pedidos pelo regresso a casa dos soldados, desde filhos, namorados, noivos, amigos.
Esta investigação beneficiou da bolsa para investigação jornalística da Fundação Calouste Gulbenkian. O trabalho foi realizado em colaboração com o jornalista da SIC, Joaquim Franco, tendo já resultado numa reportagem televisiva e outra no jornal Expresso.
A edição do livro é da Temas e Debates.
Cláudia Gameiro, 32 anos, há nove a tentar entender o mundo com o olhar de jornalista. Navegando entre dois distritos, sempre com Fátima no horizonte, à descoberta de novos lugares. Não lhe peçam que fale, desenrasca-se melhor na escrita