Acredito, piamente, que vários leitores deste jornal já perderam a cabeça a saborearem apetitosos pedaços de cabeça de xara, uma especialidade gastronómica provinda do Alto Alentejo mercê do talento culinário de todos quantos transformam as partes gelatinosas em «comer» de festa, normalmente a iniciar a refeição.
Bem sei, todos os animais têm cabeça e as mesmas são aproveitadas consoante a perícia e imaginação de quem as cozinha, no entanto, só a cabeça de vitela dá origem a receitas tradicionais, clássicas, sendo apresentada inteira, depois cortada ao meio e posteriormente em pequenos pedaços.
A cabeça de vaca está na origem de inúmeras receitas, as quais requerem tratamento com vinagreta e, por fim, atenho-me à famosa cabeça de Xara, na qual as referidas cartilagens porcinas, sem os miolos, mas com muitos ingredientes que dão origem a maliciosa pasta (porque muito saborosa) que obriga a acompanhamento à altura: lembro bom vinho da talha, pão (panito) e por fim cantares das terras de cante.
Em termos globais – a cabeça fresca, de vaca, vitela, borrego, cabrito, porco, as mais cozinhadas em terras de Portugal, levou à «engorda» dos receituários da cozinha popular (nada se podia perder) no naipe das carnes, só que no naipe dos peixes acontece o mesmo.
Também no tocante a cabeças, sejam derivadas de animais terrestres ou aquáticos, a pandemia estilhaçou as convivialidades cujo móbil substantivo sempre foi e é o elemento principal – o alimento – porém os sentimentos da amizade, da camaradagem, do prazer amplamente conversado, são elementos nucleares daquilo a que os dicionários dizem ser característica do Homem (engloba a Mulher) ser eminentemente social.
Agora, vivemos em soledade tal como monges do monaquismo!
Armando Fernandes é um gastrónomo dedicado, estudioso das raízes culturais do que chega à nossa mesa. Já publicou vários livros sobre o tema e o seu "À Mesa em Mação", editado em 2014, ganhou o Prémio Internacional de Literatura Gastronómica ("Prix de la Littérature Gastronomique"), atribuído em Paris.
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